quinta-feira, 17 de outubro de 2013

Alguém


"Quero alguém que me ame como eu sou, e não como gostaria que eu fosse..."

Enquanto terminava de se arrumar, postou a frase em seu perfil na rede social. Entre uma passada de batom e uma mexida no cabelo, ela espiava a tela do computador, à espera dos comentários e da aprovação dos amigos virtuais.

Sem levantar da cadeira, inclinou o corpo para o lado e ficou de frente para o espelho da penteadeira. A maquiagem, pesada e forte, fingindo naturalidade, estava pronta, mas ainda faltavam as lentes de contato. Mesmo depois de alguns meses de uso, seus olhos ainda não estavam acostumados a elas, e ainda que sempre ardessem por vários minutos depois de colocá-las, ela nunca saía sem as lentes. Olhos castanhos eram muito comuns e sem graça, e morenas de olhos verdes eram irresistíveis, dizia o site de moda e beleza que ela costumava acompanhar.

Por fim, levantou-se e foi até um espelho grande, preso atrás da porta do quarto. Com os olhos ainda vermelhos e lacrimejantes, deu uma última olhada em si mesmo. O vestido, tão apertado e desconfortável quanto seus sapatos, definia exageradamente seu corpo e ajudava a esconder a barriga saliente que ela acreditava ter. Não gostava muito daqueles modelos curtos e justos, incômodos para vestir, sentar e caminhar e que sempre lhe davam a sensação de estar mostrando mais do que deveria ou gostaria, mas de qualquer maneira, era preciso. A beleza não deve ser escondida, segundo aquele mesmo site.

Na verdade, ela não estava a fim de sair. Pensou em ligar para as amigas e dizer que não poderia, que precisava estudar, que estava com cólicas, mas ainda que tudo fosse verdade, – e era - achou melhor não recusar, afinal, é preciso socializar-se. Não valia a pena arriscar perder bons amigos e companheiros de balada por tão pouco, quase nada.

O som de uma buzina a tirou de seus pensamentos. Os amigos haviam chegado. Novamente, olhou-se no espelho, puxou o vestido um pouco mais para baixo, tentando cobrir o que fosse possível de suas pernas, mesmo sabendo que ele teimaria em subir novamente, e saiu do quarto. Ao fechar a porta, percebeu que o computador ainda estava ligado. Rapidamente, voltou, aproveitou para dar uma última olhada nas atualizações e depois o desligou.

A sua frase já não estava mais na tela. Fotos, citações e pensamentos de outras pessoas já haviam ocupado seu lugar, mas isso não importava, pois ela sequer lembrava que havia escrito e nem o que havia escrito há alguns minutos.


- Quero alguém que me ame... – Disse ela, baixinho, para si mesma, guardando apenas a parte que conseguiu lembrar e que parecia realmente importante naquela frase.

terça-feira, 15 de outubro de 2013

Menina


Solte o choro, menina.
Abra o peito.
Que não é feio chorar por um bom motivo.
Que os amigos, aliás, estão aí para isso.

Um dia você vai ver
Que nem todas as lágrimas desceram tristes.
Que o choro, às vezes, vem antes do fim,
Antecipando ausências e lembranças
De um tempo que ainda não terminou.

Solte o choro, menina,
Porque viver é isso mesmo.
Entre finais indecisos e recomeços incertos
Há tudo aquilo que já é eterno.



Saudade, enfim, é apenas um nome bonito
Que damos a uma vida bem vivida.