domingo, 7 de junho de 2015

...

     Ela era um daqueles espíritos livres, nômades, que viviam nos muros pichados da cidade, nos barulhos do dia e no silêncio da madrugada. Ao mesmo tempo, ela era folha que caía de alguma árvore, café passado e adoçado com açúcar mascavo e um par de asas de liberdade. Ela era fumaça de incensos e a luz trêmula e aconchegante de uma vela.


     Foi assim que eu a conheci e é assim que ela existe na minha lembrança.

Navalhas

Na tristeza que escondia,
Queria quem segurasse sua mão
E a ajudasse a atravessar
Aquele campo de navalhas.

Prometeu, com todas as forças,
Que ninguém se machucaria,
Pois de todas as dores possíveis,
As piores caberiam a ela.

Só queria,
E apenas queria,
Não estar sozinha
Quando, como bem sabia,
Os tempos tristes viessem.

E ela sabia que eles viriam...
E ela sabia que não tardariam...

Guardou a vida em doses
E a vontade em comprimidos,
E enquanto vestia a armadura,
Esperou pelo abraço não dado,
Pelo afago que não recebeu
E pela palavra que nunca foi dita.

***

Na tristeza que escondia,
Optou por seguir sozinha.

Da mão que esperou tocar,
Recebeu somente o silêncio.

Como consolo, pensou no futuro,
Pois se um dia viesse a sair
Do labirinto de si mesma,
Não deveria a ninguém
O valor que depositou em todos.

Ah, mas como seria bom
Ter em quem confiar...

Para quando os fantasmas viessem...
Para quando fosse o monstro de si mesma...

A insanidade cobra preços
Que a própria loucura duvida
Ser capaz de pagar.

***

Na tristeza que escondia,
Escondeu de todos
O que ninguém queria ver.

Partiu acompanhada de si mesma
Para uma viagem que pensou ser sua
E de mais alguém que pensava conhecer.