terça-feira, 30 de outubro de 2012

Refrigerante

   Comia e falava ao mesmo tempo. O outro, que apenas ouvia, divertia-se com a cena, mas não deixava de se sensibilizar com o jeito descontrolado, quase insano do amigo. Cabelos arrepiados e bagunçados. Olhos arregalados, titubeantes, que alternavam freneticamente entre o hambúrguer, o copo de refrigerante e o rosto daquele que o escutava.

   - Cheguei à conclusão de que as pessoas não querem verdades. Ninguém quer um peito aberto, ou uma razão sincera, daquelas que dizem realidades que chacoalham corpo e alma.

   Limpou uma mancha de maionese do canto da boca, com a mão, mesmo, depois a lambeu e seguir a falar.

   - As pessoas querem garantias inquebráveis, pedidos de casamento afobados. Querem filhos lindos, perfeitos e que não darão trabalho algum, como os que vivem apenas na imaginação dos apaixonados. Elas querem promessas de amor eterno, que em vez de saírem do coração, saem do estômago, junto com vinte bolhas de ansiedade. Promessas e bolhas, aliás, que sempre acabam sendo amargamente mastigadas e engolidas de volta... enfim...
   A incerteza, justamente por se mostrar bonita, é o que cativa. Dane-se o zelo, o cuidado com as palavras, com a língua mordida, pois o que todos querem é viver o agora, mesmo que, no fim, a decepção seja a mesma para ambos os casos. Isso, aliás, é algo muito curioso... Arrepender-se pela própria irracionalidade parece mais poético do que precaver-se pela inteligência, e como a poesia, mesmo não compreendida, parece preencher melhor a barriga dos apaixonados, acaba-se escolhendo a beleza cega e estúpida, já que o pensar é, assim, como gostam de dizer os mais entendidos, tão insensível e avesso à essência da alma. Essência da alma... Tá bom.... Ah, e sem esquecer, é claro, do pobre coitado que vier a dizer, "eu avisei", depois do acontecido... Esse sim, não merece viver... Como pode alguém ser tão frio, ao ponto de alertar o outro sobre seus próprios defeitos? Isso não é amor! Isso não é saber amar!

   O contraste gritante entre a seriedade do assunto e a aparência do rapaz, só fazia aumentar a comicidade da situação. Era tragicômico, na verdade.

   - Amor, mesmo, é deixar tudo nas mãos do destino, ou de qualquer outra coisa, para ter a quem culpar quando algo der errado. Isso, sim, é entregar-se ao que pode existir de mais puro e verdadeiro entre duas pessoas.

   Fez uma pequena pausa para beber. As bolhinhas da bebida pipocaram e o gás entrou em suas narinas, fazendo-o se afogar e tossir pedacinhos de pão com refrigerante. O amigo, cerrando os dentes, tentou segurar o riso quase incontrolável.

- Ah! Malditas verdades! - Praguejava o incompreendido, enquanto limpava a sujeira da mesa com um guardanapo de papel.

...

    - Bom... Mas é isso, né? A vida continua, o mundo segue girando... Já que temos que viver, vamos viver!

   Eles eram amigos há muito tempo. Havia confiança e intimidade suficientes entre ambos para que a brincadeira que vinha a seguir não ofendesse. - Bom... "Temos", não, né? Se você não quiser, não precisa continuar vivendo...

   Ele deu uma risadinha fraca, sem vontade. - Pois é... Eu sei... E eu estou, justamente, tentando ignorar esse fato.

02:00

30/10 - 02:03 | Olá!
30/10 - 02:03 | Tudo bem?

30/10 - 02:05 | Olá.
30/10 - 02:05 | Tudo bem.

30/10 - 02:06 | Que bom!
30/10 - 02:10 | Mas e aí?? Não quer saber como eu estou?? Pôxa! Hahahahahaha!

30/10 - 02:12 | Não.
30/10 - 02:13 | Na verdade, eu queria que você estivesse mal.

segunda-feira, 29 de outubro de 2012

Domingo

Hoje é domingo, e eu quero te ver de novo.


De todos os últimos beijos que demos, nenhum foi de despedida.

Os abraços, tão certos para selar decisões, limitaram-se a deixar aquela velha e conhecida sensação de que nunca termina.


O silêncio no carro.

A garoa na rua.

O cheiro na roupa.

Algumas horas dentro da madrugada são suficientes para transformar o que deixamos pelo caminho em pequenas armadilhas.

E a tentativa fracassada de diluir anos em dias, serve apenas para reforçar o que já nos é bem sabido.


A razão não se omite.

Temos ferramentas, truques e técnicas.

Temos razões, motivos e fatos.

Temos desculpas, se for necessário.

Mas a vontade não dá ouvidos ao que é sensato.


Quem parte, deve saber o que carrega na mochila, pois o que é bonito também pesa, sejam lembranças, fotos ou roupas novas.


Temos que aprender a jogar fora.


Esse é o problema.


Aliás...


O problema é que hoje é domingo, e eu quero te ver de novo.

domingo, 28 de outubro de 2012

...

   Deve ser por isso que, na guerra, há os que morrem e os que choram, pois assim é mais fácil... Ironicamente, é mais fácil.

   É mais fácil quando se tem um corpo para velar, um caixão para enterrar, um túmulo sobre o qual você possa se ajoelhar e chorar... É sempre mais fácil quando se pode tocar em algo, sentir algo. Pode ser, até mesmo, a dor, desde que seja uma dor resolvida, definida. Uma dor compreendida.

   Essas guerras que terminam assim, sem contagem de mortos e feridos, sem prédios destruídos, vidraças estouradas, de quase nada servem. Guerra que é guerra, não termina com tratado de paz. Guerra de verdade termina com um dos lados chacotado, avassalado, reduzido à escombros e espírito de recomeço. Guerra de verdade termina com o lado vencedor recolhendo espólios, fazendo tremular sua bandeira, enquanto o povo canta e dança pelas ruas, saboreando a liberdade conquistada.

   Guerra que é guerra não termina assim, sem vencedores declarados, com essa sensação de impotência em ambos os lados. Ninguém tem o direito de acabar com uma guerra enquanto o impasse for o único desfecho possível.

   Guerra de verdade não termina com amizade entre inimigos.

   E é desse tipo de guerra que eu tenho medo.

quinta-feira, 25 de outubro de 2012

...

- Mas e o que vamos fazer? Eles não morrem de fome, como você bem sabe...

- Sim, eu sei. Por isso é que devemos alimentar seus egos... Deixe-os morrer enfarados em sua própria fartura... Logo, logo eles estarão tão gordos de soberba que, sequer, conseguirão respirar...

- Hum... Pode ser, pode ser... Mas mesmo que, no final, eles acabem mortos, até lá, não estaremos criando e nutrindo monstros?

Ele permaneceu em silêncio por um momento. - Todo monstro, antes de ser destruído, precisa ser criado.

O outro apenas balançou a cabeça, aceitando a verdade indiscutível que havia naquelas palavras.

quarta-feira, 24 de outubro de 2012

...

Ele deu duas batidinhas no próprio peito e parou.
O coração, por sua vez, respondeu.

Da mesma maneira.

Riso

Seremos velhos.

Vamos olhar para trás e rir do que fizemos.

Vamos rir do que não fizemos.

Não será um riso de alegria, nem de tristeza.
Não será nada, assim, tão extremado.

Será um riso confuso.
Quase inexplicável.
Daqueles em que se balança a cabeça de um lado para o outro e, mentalmente, se diz: "Eu sabia..."

Será como aquele mesmo riso que demos aos trinta, quando olhamos para trás e lembramos de nossos quinze ou dezesseis, com todos os dramas e medos intermináveis que, veja só, terminaram.



Seremos velhos.
E vamos olhar para trás.

Nossos pais estarão mortos.

Nossos amores eternos, terminados.

Perceberemos que tudo não passou de uma grande brincadeira.

Perceberemos que a vida, levada à sério ou não, mostrará a mesma face a todos na véspera de seu fim.



Seremos velhos.

E só poderemos rir.

Só nos restará aceitar que sempre soubemos como tudo terminaria, mas, ainda assim, optamos por sofrer com nossos problemas insolucionáveis, que, por fim, sempre acabamos resolvendo.



Seremos velhos.

Seremos, enfim, depois de tantos anos sob álcool e tinta, apenas aquilo que podemos ser.

Será apenas o riso.

Aquele riso.