terça-feira, 13 de outubro de 2015

Tudo

Com você,
Gosto da tormenta
E da calmaria.

Da chuva de palavras,
Da qual não busco abrigo.

Gosto do riso, do sussurro,
Do seu sorriso no escuro,
Que mesmo não vendo, sinto.

Gosto do olhar silencioso,
Assim como do silêncio
Quase estrondoso
Do seu rosto sereno, tranquilo,
Dormindo em minhas mãos
Enquanto você dorme.

Gosto do seu cheiro
Mas amo seu vocabulário,
Tanto quanto as brincadeiras,
Que mesmo quando sobram,
Sempre encontram seu espaço.

***

Com você, sei do que gosto...

Gosto dos erros que viram acertos,
Os quais, de fato, sempre soubemos
Que nunca estiveram errados.

***

Com você, gosto de unir forças
Para quebrar os ponteiros
E tentar segurar o tempo
Em todos os relógios.

Gosto dos seus medos,
Pois têm a mesma cor dos meus,
E gosto, também, daquela simplicidade,
Que tanto já nos machucou
Quando esteve nas mãos erradas.

Com você, gosto de mim
E de tudo o que seremos
Se você ainda puder gostar
Daquilo tudo que, um dia,
Fizeram parecer
E te disseram ser errado.

terça-feira, 6 de outubro de 2015

Trêmula

Deixou que o vento soprasse
E tremulasse a chama da vela.

Deixou, propositalmente,
Aquela janela aberta.


Da cera, correram os pingos,
Manchando a mesa intocada,
E o pavio, cada vez mais curto,
Fez dançar em linha a fumaça.

A sala, cheirando à penumbra,
Abrigou os dois solitários.

E o silêncio, dobrando-se em si,
Abraçou as palavras perdidas,
As quais, já há algum tempo,
Não soavam mais tão belas.

domingo, 27 de setembro de 2015

...

  Dizia que estar com ela era estar em paz. Era experimentar um silêncio que as vozes em sua cabeça há tempos já não lhe permitiam.


  Ficar sozinho tornou-se insuportável, mas não pela solidão em si, pois, constantemente esmagado por seus pensamentos, jamais conseguia estar só.

  Ela era a calma. O instante quieto que precede o sorriso. O suspiro de alívio que precede o abraço. O fechar de olhos que precede o beijo.

  Ela era a neutralidade entre os polos. Era a cabana frágil e indestrutível que acolhe quem foge da tempestade. Era quem ele seria, se ele não fosse quem acabou sendo.

  Ela era, para ele, a cura de si mesmo.

Todos e Todas

Irão rir ou chorar comigo
Pelos amores não amados
Quando tudo vier à tona?

O que parecia engraçado,
Jamais foi piada alguma.

O que pareceu não fazer sentido,
Foi sempre o mais desejado.

Irão rir ou chorar comigo
Por tudo aquilo não vivido
Quando o fim vier à tona?

Talvez, enfim, você perceba
Que se não andei ao seu lado,
Foi para não te abandonar
Quando não houvesse mais caminho.

Talvez, enfim, você perceba
Que meu descaso, quem diria,
Foi sempre o mais puro e sincero
Amor de quem não pôde ser amado.

Lamúrias

Que vivam de amor e firulas
Os que disso puderem viver.

Mas se verde-escura for minha chama,
De raiva amarga e ressentida,
Que assim seja
E muito será bem vinda.

Há quem pregue a falsa modéstia
Ao dizer que a beleza é supérflua,
Tendo sido sempre belo.

Há quem despeje a falsa humildade
Ao dizer que dinheiro e felicidade
Não são faces da mesma moeda,
Sem jamais ter saído do próprio castelo.

Aos que cantam lamúrias inexistentes
E gemem dores que nunca sentiram,
Deixo meu riso de escárnio.

Pois enquanto sorriem mentiras
A todos e a si mesmos,
Ao menos meu rancor é sincero.

...

 Parecia estar sempre com a mesma roupa. Tinha poucas, na verdade, o que servia apenas para reforçar essa impressão. Quando não estava na praça da cidade, dividindo com os pombos o pouco pão que tinha, estava em algum bar, bebendo os poucos trocados que conseguia ganhar. E pelo pouco que ganhava, diga-se de passagem, bebia muito.

 Não era um mendigo, mas também não chegava a ser nada que dissesse o contrário. De fato, ninguém sabia o que ele era.

 Não era indigente, pois morava em uma casinha de madeira caindo aos pedaços, no final da rua 14. Ninguém nunca o via entrar ou sair dela, mas sabiam que pertencia a ele, pois, às vezes, o viam dormindo em frente a ela, caído ao pé da porta, com um ou dois cachorros por perto e algumas garrafas vazias.

 Uns riam, outros sentiam pena. Uns tinham medo, outros o cumprimentavam. E ainda que dividisse opiniões, em uma coisa todos concordavam: era inofensivo.


 Ganhava a vida limpando pátios, recolhendo lixo, carregando compras do supermercado. Ninguém sabia quantos anos tinha, mas era comum vê-lo jogando bola com os garotos e, noutras vezes, lendo algum jornal velho, sentado em algum banco da alameda, de pernas cruzadas e fumando seu cachimbo apagado, como um nobre e respeitável senhor.

 Uns diziam que era assim desde sempre. Outros, que havia ficado louco depois de perder a família em um incêndio. (Dizem, inclusive, que é justamente por isso que não acende o cachimbo. Tinha tanto medo de fogo quanto um gato tem de água, embora ninguém realmente soubesse o verdadeiro motivo).

 Certa vez o viram tirando o próprio casaco e o dando para um mendigo (um de verdade, pois ele não era). Foi o suficiente para despertar aqueles comentários cheios de comiseração.

 - Pobre coitado... Ajuda todo mundo e só faz mal a ele mesmo...

 E nessas de ajudar os outros, também tinha dessas de querer ser ombro amigo. Às vezes se parava a escutar os lamentos de quem quisesse lamentar. Crianças, velhos, passarinhos, cachorros. Até as lixeiras desabafavam com ele de vez em quando. E claro, isso era o suficiente para despertar mais daqueles comentários cheios de comiseração.

 - Pobre coitado... Dá aos outros o que não tem nem pra si...

 E nessas de dar aos outros o que não tinha, também tinha daquelas de dar mais do que roupas, moedas e conselhos.

 Costumava distribuir os sorrisos que já não sorria, os abraços que não recebia e os apertos de mão que não lhe eram negados.

 Dava aos outros, sem pedir nada em troca, a vida que não vivia.

Oitenta e Seis

Escrevia o velho, finalizando seu testamento:
"... e a vida passou por mim sem me deixar explicar nada."

...

 - Você já passou por isso?
 - Pelo quê?
 - Por esses momentos de reflexão tão fortes que chegam a te deixar sem fôlego...
 - Talvez... Como assim? Fale mais...
 - Eu não sei... É o absurdo da vida, ou melhor, o absurdo que é a vida! Olha só, agora nós temos vinte e poucos anos, mas ontem nós tínhamos dez, e quando digo ontem, a coisa vai além da poesia, da mera figura de linguagem, porque se você fechar os olhos agora, vai se lembrar de quando estava na quarta ou quinta série como se fosse, literalmente, ontem... Vai lembrar até do cheiro da casca de lápis, das carteiras recém limpas pelas funcionárias... Enfim... Temos vinte e nossos pais têm quase cinquenta, mas amanhã nós teremos quase cinquenta e eles, talvez, nem existam mais... Não dá uma vontade louca de sair correndo, entrar em casa com oito anos e voltar à época em que você não sabia que nada disso ia acontecer? Quando se é criança, aprendemos que, um dia, vamos morrer, mas é um aprendizado meio falso, pois só repetimos essa certeza sem saber, ou melhor, sem realmente entender o que ela quer dizer e o quão certeira ela se tornará... Sei lá... Eu penso demais! Quem serão meus filhos? E a minha esposa? Eu vou ter câncer? Vou morrer nesse final de semana? Meu deus... Meu deus... Qual é o sentido disso tudo? Às vezes a impressão que se tem é a de que o segredo da vida é, justamente, não saber o que ela é... Meu deus... Eu preciso viver... Quer namorar comigo?

 Ela riu. Estava com um pouco de lágrimas nos olhos, mas riu. - Você fez todo esse discurso só pra pedir isso?
 Ele não respondeu. Seus olhos também estavam marejados, mas ele não sorria.
 Abraçaram-se, beijaram-se e selaram com o silêncio uma questão que, mesmo sendo comum a todos, possuía uma resposta única, totalmente individual para cada um que se atrevesse a perguntá-la.

Pecados

A luz amarelada dos postes,
Sentinelas da madrugada,
Observando seus movimentos
Escorregadios, ladinos, quase criminosos,
Faz questão de mostrar
E esfregar na sua cara
Que você não é nada do santo
Que sempre pensou e disse ser.

A noite não julga, apenas observa,
Mas para quem está sub judice,
O menor dos desvios é o suficiente
Para incriminar o mais inocente dos culpados.

...

   Enquanto folheava o velho álbum de fotografias, seus lábios sorriam e seus olhos desenhavam uma mistura quase incompreensível de tristeza e saudade. Foi acordado de seus pensamentos e lembranças pela voz do amigo.

   - É uma pena que não seja para sempre, né?

   - O quê? A infância?

   - A vida...

Ofensas


As ofensas choviam,
Mas as únicas coisas que o atingiam
Eram as poças de lama
Na sola de seus sapatos.

Passava por cima de tudo,
Como se sob seu guarda-chuva
Coubesse um mundo inteiro
Onde ninguém mais cabia.

segunda-feira, 3 de agosto de 2015

Para Sempre


   De todas as mãos passageiras que estiveram junto a sua, a dela permaneceu. Atravessariam juntos, tal como sempre fizeram, os tempos e caminhos tortuosos que já se desenhavam no horizonte próximo. Ela foi causa e efeito, comédia e tragédia, graça e desgraça. Foi a causa e o fim daquilo que ele foi um dia, e hoje era o estado natural de tudo aquilo que não fazia sentido algum.

   Ela o machucou, sim, mas ainda assim foi sincera. Não passou como passaram tantas outras figuras, prometendo a cura e, no fim, levando embora ainda mais da pouca sanidade que nele restava.

   Ela o machucou, sim, mas foi sincera. Disse, desde o começo, o que queria e o que faria para alcançar seu intento.

   Ela sorria sem dizer nada, e ainda assim, dizia mais do que poderia ser dito com todas as palavras do mundo.

   - Promete que não vai me abandonar?

   - Eu prometo. Jamais vou te abandonar. - Disse a loucura.

sábado, 11 de julho de 2015

Imune

Ela sentava-se em meio às cobras,
Mas elas não a picavam,
E todos, admirados, perguntavam:

"Como pode?
Tão frágil, tão pequena...
O que faz para não ser vítima
Do que já matou a tantos outros?"

Mas eles é que não sabiam
Que não havia força alguma,
Tampouco, imunidade.

O veneno existia
E corria em seu sangue.

Há tempos havia sido picada,
Por isso deixou de sentir
O mal que todos viam
E sabiam existir,
Ainda que não entendessem
Como ela não o sentia.

Ela sentava-se em meio às cobras,
Mas elas não a picavam,
Pois sem que ela percebesse,
Há muito já estava envenenada.

domingo, 7 de junho de 2015

...

     Ela era um daqueles espíritos livres, nômades, que viviam nos muros pichados da cidade, nos barulhos do dia e no silêncio da madrugada. Ao mesmo tempo, ela era folha que caía de alguma árvore, café passado e adoçado com açúcar mascavo e um par de asas de liberdade. Ela era fumaça de incensos e a luz trêmula e aconchegante de uma vela.


     Foi assim que eu a conheci e é assim que ela existe na minha lembrança.

Navalhas

Na tristeza que escondia,
Queria quem segurasse sua mão
E a ajudasse a atravessar
Aquele campo de navalhas.

Prometeu, com todas as forças,
Que ninguém se machucaria,
Pois de todas as dores possíveis,
As piores caberiam a ela.

Só queria,
E apenas queria,
Não estar sozinha
Quando, como bem sabia,
Os tempos tristes viessem.

E ela sabia que eles viriam...
E ela sabia que não tardariam...

Guardou a vida em doses
E a vontade em comprimidos,
E enquanto vestia a armadura,
Esperou pelo abraço não dado,
Pelo afago que não recebeu
E pela palavra que nunca foi dita.

***

Na tristeza que escondia,
Optou por seguir sozinha.

Da mão que esperou tocar,
Recebeu somente o silêncio.

Como consolo, pensou no futuro,
Pois se um dia viesse a sair
Do labirinto de si mesma,
Não deveria a ninguém
O valor que depositou em todos.

Ah, mas como seria bom
Ter em quem confiar...

Para quando os fantasmas viessem...
Para quando fosse o monstro de si mesma...

A insanidade cobra preços
Que a própria loucura duvida
Ser capaz de pagar.

***

Na tristeza que escondia,
Escondeu de todos
O que ninguém queria ver.

Partiu acompanhada de si mesma
Para uma viagem que pensou ser sua
E de mais alguém que pensava conhecer.

segunda-feira, 18 de maio de 2015

Oração

Na oração para o dia que nasce,
Pedimos para não sermos apunhalados
Por quem deveria estar conosco.

Pedimos que as más línguas,
Chicoteando falsas verdades,
Não estejam na boca daqueles
Que nos juraram lealdade.

O deus de cada um
Sabe dos filhos que tem.

Dos pregos em nossas cruzes,
Muitos nos foram cravados
Sem que ao menos percebêssemos.

Na oração para o dia que nasce,
Pedimos que a vida nos mostre
Quem não merece nossas preces.

O deus de cada um
Sabe dos filhos que tem.

segunda-feira, 11 de maio de 2015

Fronteiras

Não se trata de amizade,
Mas de tudo que acaba sendo
O que não deveria ser.

Somos países pacíficos,
Imersos em guerras internas.

Somos limites intransponíveis,
Com guaritas em nossas divisas.

Desculpe-me pelo zelo,
Mas fronteiras são linhas finas,
Desenhadas propositalmente
Com a ilusão de serem transpostas.

Talvez você não entenda
Que essa barreira é o que impede
O fim da nossa diplomacia.

Contra você, não pego em armas,
Pois prefiro ceder territórios
A ter de sujar nossas terras
Com um sangue que não é nosso.

Não cabe a mim cobiçar
Aquilo que não me pertence.

***

Limites, divisas, barreiras...
Cercas, muros e fronteiras...

A distância segura que preciso manter
Para, mesmo querendo, não querer ser
Mais do que nós realmente somos.

domingo, 10 de maio de 2015

Sorrisos

Guardou os sorrisos que todos queriam,
Mas que poucos mereciam ver,
Pois do pouco que dele sabiam,
Esperavam o ver sempre sorrindo,
Tal como bobo alegre,
Tão bobo quanto todos eram.

Guardou os sorrisos que não queria dar,
Por achar que não mereciam,
Pois do pouco que dele sabiam,
Não sabiam que, dele, nada teriam,
Além do que cada um merecia ter.
Além do pouco que mereciam
Pelo pouco que sempre fizeram
E do pouco que se dispuseram a fazer.

Guardou os sorrisos que não queria dar
A quem, de fato, não os merecia.

Guardou os sorrisos que não queria dar,
Pois só a ele e a alguns poucos,
De fato, pertenciam.

sábado, 9 de maio de 2015

Enigma

Entendi sua senha.
Aceitei a deixa.
Saí de cena.

Ainda não sei
Se é o seu medo
Ou a minha fantasia,
Mas sei que algo está errado,
Pois nada é como era antes.
Nossa vontade despretensiosa
Já não flui como fluía.

Você pediu que eu fosse embora,
E assim o fiz, mesmo sem querer.

Se soubesse que meu respeito
Viria a ser derrota,
Teria fingido inconsequência
E aceitado as consequências
Dos dias que estavam por vir.

Penso se, assim como eu,
Você também pensa a respeito
Do que não chegou a ser,
Mas que, como bem sabemos,
Poderia muito bem ter sido.
(E ainda pode ser...)

Ao lembrar por onde andamos,
Percebo que trilhei sozinho
Um caminho que pensei ser nosso.

Da cumplicidade,
Sobraram olhares esquivos,
Daqueles que, em silêncio,
Dizem tudo aquilo
Que não queríamos ouvir.

Chegamos longe o suficiente
Para voltarmos a tempo de não cometer
O maior dos nossos acertos.

Seu silêncio disse tudo,
Tal como o meu também dirá.

Não precisei da resposta certa
Para decifrar o seu enigma.

O segredo, no fim de tudo,
É deixar tudo como está
E tentar acreditar
Que deve ser assim.

segunda-feira, 4 de maio de 2015

Eutanásia

Não há razão alguma
Para prolongarmos a vida
Daquilo que, há tempos,
Sabemos que já não vive.

Não há desonra na morte,
E por mais doloroso que nos pareça,
Sabemos o que nossos corpos desejam
E do que nossas almas precisam.

Vamos desligar os aparelhos,
Tirar os tubos frios e ásperos
Que nos insuflam e alimentam
E dar uma chance ao conforto eterno
Que abraça os que chegam ao fim.

É bem verdade
Que nossas memórias e sentimentos
Irão se perder pelo tempo
E cairão no esquecimento
Com nossas novas histórias,
Mas de tudo o que dissemos
E deixamos por escrito,
Restará o que, em nós,
Não se apagará quando partirmos.

Nossas cartas e versos
São nosso melhor testamento,
Pois mesmo que não haja nada
Para depois do que há agora,
Sabemos que certas coisas
Continuarão a existir.

Inspiramos jovens amantes
A serem o que fomos
E não fazerem o que fizemos.

Nas esquinas onde estivemos,
Deixamos a essência
De um começo perfeito.

E com a última das horas,
Aprendemos a deixar
O que não pode mais ser nosso.

Veneno

A dedicação
Torna-se veneno
Quando, por muito menos
Que o tanto que foi dado,
Aquele que bebe, vira o copo
E derrama no chão,
Por dizer que está satisfeito
Daquilo que o alimentou
E o salvou da morte.

Retina

Começar o dia
Com olhos duros
E frios como pedra cinza.

Encarar de frente
O que tentou se esconder.

Guardar palavras
Soltas e desnecessárias
E ser apenas aquilo
Que você quer ser,
Sem agradar expectativas
E sem esperar agrado algum.

Começar o dia
Como quem começa algo
Sem dever nada a ninguém.

sábado, 25 de abril de 2015

...

Chorou, cobrou saudades, disse que queria vê-lo...

Coitada...

Mas sabia ela que ele já não sentia falta nem de si mesmo...

...

   Então ele voou...

   E lá de cima viu todos, tão pequenos, tão mesquinhos, presos às próprias mágoas e ao egoísmo. Teve medo da arrogância, da altura e da queda de um voo daquela magnitude, mas, mesmo assim, não voltou atrás.

   Preferia morrer a continuar vivendo da mesma maneira como todos aceitavam viver, sendo menos da metade daquilo tudo que jamais pensariam ser capazes de ser.

   Então ele voou.

   E não voltou.

segunda-feira, 6 de abril de 2015

Frestas

Se sair, feche a porta.
Se fechar, não volte mais.

Nos cantos em que não vemos,
Se esconde a poeira dos dias
Que deixaram de existir.

Se esconde o pó do passado,
Marcado por nossos dedos
E pelos passos não dados.

Se sair, feche a porta,
Pois não há porque haver luz
Sobre aquilo que não quer se ver.

Se fechar, não volte mais,
Pois certas chaves custam caro,
E trocá-las, mais ainda.

Deixe as frestas para as janelas,
Pois se olhar é tudo o que deseja,
Portas serão desnecessárias.

Deixe que a maçaneta sirva
Apenas para tocar a mão
De quem não tem medo de entrar.

Se sair, feche a porta.
Se fechar, não volte mais.

domingo, 5 de abril de 2015

Abstinência

Te protegi dos monstros,
Fantasmas e demônios
Da ausência.

Fui anjo
O quanto pude ser,
Mas você acabou sendo
Apenas quem partiu.

Não há mais chance.
Não há mais crédito.

Da vontade de tentar de novo,
Restaram somente a decepção
E o desânimo.

Enfrentamos noites inteiras,
Ambos sob a mesma bandeira
Da luta contra a loucura,
A febre e a ilusão.

Segurei sua mão
Enquanto a minha tremia,
E mesmo com medo
De não saber o que fazer,
Fiz o que pensei não ser capaz.

Criamos um mundo
Que não esperou por nós,
E em nossos lugares,
Colocamos atores.

Esperei sua alucinação passar
Para descobrir que, no Fim,
Era de mim que você acordaria.

sexta-feira, 3 de abril de 2015

Improvável

Você sabe
Que um abraço é só um Momento,
Por isso tenta segurar o tempo,
O mais forte e o máximo que pode,
Pois não sabe se haverá outro igual.

Nossas dores
Resumidas no silêncio.

Nossos desejos
Subordinados ao que não podemos.

Sabemos o que queremos,
Mas ainda assim temos dívidas
Com o que nos prende ao passado
Ou ao presente, se preferir.

Mas a noite não mente,
E enquanto guarda segredos,
Sabe de tudo o que não fizemos
E do que poderíamos ter feito.

O beijo esquivado...
O carinho incompleto...

Seu cheiro não sai de mim,
Assim como a vontade de sentir mais.

Trocamos nossas mágoas e certezas
Por um instante de conforto.

Ah, se soubéssemos...
Que o dia seguinte seria tão confuso,
Talvez não quiséssemos o que houve
Ou o que, na verdade, não chegou a existir.

Mas não...
A verdade é que quisemos
E queremos.

Sob olhos atentos,
Disfarçamos intenções.

Há quem nos cuide.
Há quem nos julgue.
E em meio a tudo isso,
Há o que nos pertence,
Mesmo que ainda não saibamos,
Ou saibamos sem admitir.

E no resumo de tudo,
Só sabemos que queremos.

Do tanto que te quero,
Só resta saber
Se você quer o mesmo,
Mesmo que seja em segredo,
Pois das mentiras contadas a nós mesmos,
Estas são as mais mal disfarçadas.

segunda-feira, 30 de março de 2015

Cinco Folhas

   Treze e quinze anos, respectivamente.

   Três e pouco da madrugada.

   Estavam os dois parados em uma esquina, ouvindo e sentindo o vento através da roupa escassa.

   - O que você quer ser quando morrer?

   - Não sei... Acho que uma lufada de vento... Ou aquela terrinha que o vento sopra, sabe?

   - Sei... - Fez uma pausa. Após um assovio agudo do vento, retomou. - Mas por quê?

   - Não sei... Eu acho legal isso de estar em outros lugares... A terra que tava aqui, não tá mais... E sabe lá onde ela vai estar daqui a pouco, quando o vento soprar de novo...

   - Hum... É... É legal mesmo...

   - E ainda tem o jornal, né?

   - Como assim?

   - Bom... Além da terra, o vento também costuma soprar essas folhas soltas... E às vezes elas se misturam... A terra e o jornal, eu quero dizer...

   - Hum... Tá, mas... O que que tem a ver a terra, o jornal e a tua vontade de ser o vento?

   - Ah, que é que a terra é pequena e cabe inteira dentro de uma folha... Não deve passar frio... - Ele riu e esfregou as mãos.

   Ele também era pequeno, mas precisava de umas cinco folhas de jornal para fazer um cobertor decente. Não era muito, na verdade, mas nem sempre conseguia encontrar todas.

   Ainda mais quando ventava tanto, como agora.

Terra Queimada

Há guerreiros e guerreiros.

Há batalhas e batalhas.

Para cada batalha, um guerreiro.

Para cada guerreiro, uma batalha.

Para alguns, pesa o escudo.

Para outros, a espada.

E acima de qualquer peso,
Há o que é comum a todos.

Há a honra do combate.

Há a dor a ser superada.

Há os medos a serem depostos,
Como recursos que são destruídos
Na tática de terra queimada.

Não se deixa nada ao inimigo,
Muito menos o que for passível
De ser usado como arma.

Fogo, madeira, fumaça.

A armadura sem brilho.

O sangue seco no rosto.

As mãos machucadas.

A noite se aproxima
E as estrelas observam.

É hora de voltar para casa.

Quando se chega vivo ao fim do dia,
Até mesmo a derrota é uma vitória.

sábado, 21 de março de 2015

Seis e Pouco

Não te encontraria por aí,
Em lugares comuns,
Onde todos estão.

Percebi que, na verdade,
Sequer te encontraria
Se tentasse procurar.

Nosso encontro não seria feito,
Mas aconteceria pelo melhor
E mais improvável dos acasos.
Aquele que une quem tanto espera,
Mas que não sabe o que esperar.

Nosso abraço me fez sentir
Aquela sensação gostosa
De se olhar pela janela
E imaginar o vento frio soprando
Sem precisar senti-lo.

Gosto de suas linhas retas,
Quase duras, bastante sérias,
Que só se abrem para a chave certa.

Gosto do sorriso difícil,
Dado apenas aos merecedores.

E gosto, principalmente,
Quando ele se abre,
Pois me dá a certeza
De ser quem o merece.

Vou levar muito tempo
Para conseguir compreender
Como você conseguiu, em dez minutos,
Mostrar a mim mais do que tantos
Precisaram de anos para mostrar.

Quem diria...
Não são apenas folhas secas
E finais de tarde de sol ameno.

Quem diria...
Logo no primeiro dia,
O outono me trouxe você.

quarta-feira, 18 de março de 2015

...

   - Eu não entendo! - Disse ele. - Eu nunca, nunca menti para você!

   - Eu sei disso... - Ela respondeu. - O seu erro foi ter mentido para você mesmo...

segunda-feira, 16 de março de 2015

domingo, 15 de março de 2015

Areia

Aquele gosto estranho
Do que termina sem começar.

Aquele cheiro confuso
Do que não devia ter sido feito.

O dia seguinte é sufocante,
Com seu aspecto calado e confuso
E uma densa névoa de sentimentos tortos.

Nossos olhares esquivos,
Carregados com nossos erros,
São daqueles que não se cruzam,
Mesmo quando os ombros se tocam.

Em meio à brisa leve,
Agradável de ser sentida,
Uma rajada de areia fina
Nos faz fechar os olhos,
E quando os abrimos de novo,
Dói-nos ver o que perdemos
Por termos olhado sem atenção.

Andamos trôpegos por aí,
Tentando evitar encontros.

Optamos pelo silêncio
Para não pagarmos pelas palavras.

E vamos embora sem saber
Até onde, afinal,
Nós havíamos chegado.

Morremos um para o outro
Quando brincamos com coisas sérias
E levamos a sério as brincadeiras.

Já não sabemos o que há
E nem o que somos,
Mas sei que ambos sangramos
Nosso sangue mais valioso
Quando nos arriscamos a querer
Ser o que nunca fomos.

Não somos amigos.
Não somos amantes.
Somos apenas restos
De vontades e pensamentos.

domingo, 8 de março de 2015

Meteoro

Ao chegar, parecia ser estrela,
Daquelas cujo brilho norteia
Por anos a fio quem as observa.

Logo, porém, mostrou-se fugaz...

Sua luz, outrora tão firme,
Simplesmente desapareceu
Sob a opacidade translúcida
De uma simples nuvem passageira.

O viajante se perdeu...

Foi traído pela covardia
Do astro que tomou para si
Como guia de um caminho eterno.

Riscou o céu negro da noite
Com seu traço verde brilhante,
Iluminando um falso horizonte
Que teve fim ao amanhecer.

Com o tempo, seu rastro sumiu,
Tal como somem todas as coisas
Que têm por natureza não serem sinceras.

E de tudo o que poderia ter sido,
Tornou-se apenas cadente...

sábado, 28 de fevereiro de 2015

Sangues

   Nunca quis admitir. Durante muito tempo, lutou e relutou contra o que se mostrou óbvio desde que havia entrado no mercado dos sentimentos. Enfim, acabou cansando, percebendo e aceitando: era daqueles que amavam com um punhal gigantesco nas mãos.

   Um punhal grande o suficiente para matar duas pessoas.

   Na verdade, grande o suficiente para matar duas pessoas ao mesmo tempo.


Três Atos

Depois de tantos passarem,
Quem estará com você
Quando tiver passado o tempo?

Que mão estará na sua
Quando chegar a hora
Que sempre acaba chegando?

Pode não ser quem prometeu.
Pode ser quem nunca jurou.

***

Há quem parta deixando um vazio.

Há quem deixe um vazio que não parte,
Mesmo depois de ter partido.

Mas se vazios são espaços em branco,
Há também quem os preencha,
Mesmo que tudo o que tempo permita
Seja pouco mais que um breve instante,
Que por mais breve que seja,
Traz saudades póstumas
Alheias a qualquer proporção.

***

No melhor de todos os livros,
Faltavam as últimas páginas,
E para histórias que não terminam,
Não há muito o que fazer
Além de abandonar a leitura.

Mas de qualquer maneira,
Os poucos trechos lidos
Também conseguem ensinar...

Recomeços não precisam de muito,
Pois assim como terminam,
Histórias também começam
Sendo escritas em uma única folha.

quarta-feira, 11 de fevereiro de 2015

Musgo

Nasceu de uma fábula estranha,
Sem animais ou lições de moral,
E mesmo assim se transformou
Em algo que não era humano.

Em seu coração de pedra parada,
Brotou o musgo da água tranquila,
Que sob a forma de lágrimas contidas,
Vertia como fonte por dentro do peito.

Em seu coração de pedra parada,
Brotou o musgo da mentira...



E ele chorou... Ah, como chorou...
Quando teve de ver partir
Quem nem ao menos havia chegado.

E seus olhos, desde então, ficaram secos.
Secos como o próprio sangue,
Que há muito não corria eu seu corpo.

Viu escapar de seus braços
O vermelho vivo que tanto queria,
Sem saber se era ceda, cetim ou a própria vida,
E foi embora com desculpas
De quem nada desejava.

Foi embora com a vergonha
E com todas as cicatrizes que carregava.



Ah, se ela soubesse...
Se ela soubesse da dor que ele levou,
Impedindo que ela sentisse.

Ah, se ela soubesse...
Da vergonha que ele a privou
E do peso que a livrou
Por comprar algo de olhos fechados.

Ele teria sido o poeta
De sua poesia bruta, sem rimas,
Mas preferiu ser o ponto oposto
De uma trajetória infinita.

Viveu de desdém e uvas verdes,
Nunca querendo o que mais queria.

E antes de enclausurar-se em si mesmo,
Olhou para o céu e disse ao vento,
Oferecendo o reles poema:

"A todos os que também viraram pedra
Por não poderem mais ser carne."



O que restou foi o sonho ingênuo
De um futuro que queria ser seu.

segunda-feira, 9 de fevereiro de 2015

De Seis em Seis Horas

 - O problema é o efeito colateral...

- Como assim?

- O efeito colateral de se conhecer pessoas especiais. Quando uma delas entra na sua vida e acaba indo embora, todas as outras pessoas, que já são comuns, passam a ser mais comuns ainda... Chega a ser irônico, mas se paga um preço muito alto por querer encontrar alguém que possa, de fato, acrescentar algo de verdade na sua vida. Alguém que não seja apenas mais um alguém.

- Mas você fala de grandes amores?

- Não necessariamente, embora seja muito difícil não se apaixonar por aqueles que são mais do que apenas aparência, mais do que apenas superfície... Como eu disse, é o preço que se paga...

- Entendo...

quinta-feira, 29 de janeiro de 2015

Coringa

   - Não há nenhum segredo para ser um bom coringa. - Disse ele. - Você completa o jogo deles, ajuda-os a ganhar e, assim que a partida terminar, volta para o baralho e desaparece no meio das outras cartas, como se você nunca tivesse existido. Depois disso, é só aguardar a próxima rodada e esperar alguém precisar de você outra vez...

...

- Não me entenda mal. - Disse ele. - Eu gosto de pessoas simples, não de simples pessoas...

segunda-feira, 12 de janeiro de 2015

Xeque-Mate


     Encurralei-o em um dos cantos da sala e, com a ponta da espada, furei lentamente sua garganta. O vermelho viscoso escorreu pela lâmina e repousou em minha mão.

     Que sensação estranha... O sangue de uma alma gêmea...

     Jamais senti culpa tão grande.

     Jamais senti redenção maior.

domingo, 11 de janeiro de 2015