sexta-feira, 27 de setembro de 2013

Velho Amigo


Ele abraça segurando punhais
E sorri ocultando intenções.

Em suas palavras de apoio,
Assim como na mão estendida,
A falsa humildade domina,
Nutrindo a própria ambição
E cobiçando a ruína alheia.

Em roda de amigos, arreganha dentes e elogios,
Mas nos breves momentos de silêncio,
Percebidos apenas pelos mais atentos,
Ou ressabiados, talvez,
Afoga-se com o próprio amargo
Que brota e lhe amarga a língua.



Velho amigo, velho amigo...
Por que é assim comigo?
Se o que já tem, reconheço,
É muito mais do que tenho,
E se o pouco que tenho, como bem sabe,
Pouco lhe interessa?

Não entendo, meu amigo,
Como pode querer o que não precisa,
Apenas para saciar a vontade doentia
E calar, de seus próprios pensamentos, a intriga
De que o sucesso do próximo o ameaça.

Não entendo, meu amigo,
Como alguém que já tem tudo,
Perde o tempo que não tem,
Almejando chegar onde já esteve.



Velho amigo, velho amigo...
Escute o que eu digo...

Já ouvi, e não foram poucas as vezes,
Sobre aqueles que, por medo do furto improvável,
Dormiam com uma faca sob o travesseiro
E acabaram esfaqueando a si mesmos, durante o sono,
Defendendo-se do medo de que seus sonhos,
Inexpugnáveis, diga-se de passagem,
Fossem roubados.

quinta-feira, 26 de setembro de 2013

Mesa Para Um


Na vitrine da loja, a mesa posta.

Colheres, pires e xícaras vazias,
Esperando o café no meio da noite.



Lembrei da vida que, um dia, pensei em termos
E dos planos que fiz sem você saber.

Lembrei que, há tempos, em meu silêncio habitual,
Confundido, talvez, com descaso,
Compartilhei do seu desejo de futuro.



Hoje, no entanto, são apenas cenários.
Salas aconchegantes e quartos arrumados.
Atrativos para compradores e futuros casais.



Nossa casa, ainda que em pedaços e nunca construída,
Não deixou de existir.

quarta-feira, 25 de setembro de 2013

...

Ainda que a poesia insista em dizer o contrário, há coisas que só podem ser feitas uma única vez.

Nascer, viver, morrer e confiar.

segunda-feira, 23 de setembro de 2013

...

Morreu.

A vida já não representava mais perigo.

Enfim, estava a salvo do mundo.

Por Enquanto


Relendo aqueles velhos textos,
Percebo que você ainda está longe
De ser uma boa lembrança.

Você, por enquanto, não é saudade.



Apesar de tudo o que foi vivido,
Ainda não há o bastante
Para moldar um daqueles sorrisos tristes,
Carinhosos e sinceros,
Ao encarar, mesmo sem querer, uma foto antiga
Ou uma carta cheia de juras mortas.



Ainda não sei dizer o que você é,
Mas sei que, por enquanto, não consigo te resumir
Em um fechar de olhos, um instante cabisbaixo
E um sorriso discreto, sibilado, expirado entredentes,
Daqueles que consolam e denunciam
Quem se conformou com uma partida.

Você, por enquanto, não é saudade.

sexta-feira, 20 de setembro de 2013

...

     Cá entre nós... Você sabe que não vai sair vivo dessa, não sabe? - Disse a vida.

quarta-feira, 18 de setembro de 2013

Tempos


São tantos relógios nas paredes,
Tantos tempos diferentes,
Que não sei a qual obedecer.

Enquanto olho a noite pela janela,
Esperando que alguma estrela se mova,
Escuto os cantos de todos os ponteiros.

As horas e os minutos são silenciosos,
Mas os segundos, esses não.
Esses fazem questão de serem ouvidos.

Entre seus passos, tão ordenados,
Um leve descompasso é o suficiente
Para dar vida à cacofonia do silêncio.



Enfim, compreendo.

Não há tempo certo
Que ordene, por igual, os acontecimentos
Na vida de cada um.

Não há regras sobre quando acontecer.

E agora, sabendo disso, desconfio
Que é este o lugar onde a tristeza passa suas noites,
Devorando sonos tranquilos,
Planos ambiciosos, mas ingênuos,
E futuros promissores.



O escuro da sala me abraça,
Fazendo as vezes de quem foi embora.

Não há a força, o carinho, a palavra amiga.
Não há a confiança que, um dia, você depositou em alguém.
Há apenas você e o tempo,
Amparados pela passagem do que houve
E do que ainda está por vir.

Há apenas você, esperançoso e consciente
De que o tempo, na verdade, apenas guardou seus momentos
Para entregá-los quando, finalmente,
Você estivesse pronto para recebê-los,
Sem o risco de tudo ser jogado fora
Mais uma vez.

terça-feira, 17 de setembro de 2013

Sobra


Não sei,
Mas quero saber se você é
Aquilo que penso ser.

Se é o que eu quero que seja,
Ou o que eu precisava que fosse agora.

Eu só quero saber.



Mas se não for, tudo bem...

Dizem que não há tempo perdido
Quando se busca o que ser quer,
Mesmo que não se tenha certeza.

Dizem, aliás, que ter certeza não é garantia.
Que estar certo é escolher uma dúvida,
Fechar os olhos e abraçá-la com toda a força,
E só soltá-la quando o acerto virar erro,
Ou quando o receio virar sorriso.

E sobre o tempo, dizem que o que se perde
É aquele que se guarda,
Pois assim como a vida, que não volta,
Momentos morrem e escorrem,
Mesmo pelas mãos mais cerradas.

Por isso é que eu insisto tanto.

Como você tão bem sabe, nós podemos perder tempo sozinhos,
Assim como já perdemos tanto,
Guardando para depois.

E já que estamos aqui, tão perto,
Vamos gastar algumas horas, ou dias,
Ou anos.

Assim como você,
De vontade ou arrependimento,
Sei o quanto sobra
E sei que não é pouco.




Mas se não for, tudo bem...

Eu só quero saber
Se é você.



A vida só pode me tirar aquilo que ainda não Vivi.

domingo, 15 de setembro de 2013

Dessas Coisas da Vida - IV


     Não posso dizer que escolhi a solidão, tampouco, que ela me escolheu.

    Acho que é mais sensato pensar que nós nos encontramos. Descobrimos, um no outro, interesses em comum, necessidades, complementos.

    Ainda que tolha, em partes, a liberdade, seu abraço é carinhoso, reconfortante. Nessa menina de olhos tristes e poucas palavras, encontrei o carinho que alma alguma, até então, conseguira me dispensar. Mais do que isso, em seus braços encontrei a aceitação, sem perguntas ou julgamentos, sempre tão desconfortáveis a quem tem algo que não deseja mostrar. Nossa relação, por assim dizer, é feita de silêncio e cumplicidade, e para quem deseja apenas sentir, e não falar, não há nada que possa definir de maneira mais exata o sentido da perfeição.

    Nossas diferenças, quando afloram, são discutidas na reflexão. Penso e lembro que escolhi estar aqui, junto dela, do mesmo modo como ela sabe que está comigo porque quer.

     Somos, senão, uma simbiose sentimental.

sexta-feira, 13 de setembro de 2013

Amigo


Essa conquista é sua,
Meu amigo.

Que com explicações tortas,
Simplesmente foi embora
Quando eu mais precisei.

Marinheiro novato,
Abandonou o navio, temendo o naufrágio,
Sem sequer ter a certeza
De que ele viria a naufragar.



Sua covardia, meu amigo,
Me alimentou por um bom tempo.

Os amigos que você tinha ao partir,
Postos, sem cerimônia, em meu lugar,
Hoje eu também tenho.

E ainda que agora os tempos sejam outros,
Sua ausência, por vezes, incomoda.
Sua traição, sem tréguas, desde então,
Reacende, dia após dia, a mesma mágoa.

Traição, aliás, vestida de descaso,
Pois quem corre sem olhar para trás,
Sabendo das coisas que deixa,
Veste o manto do traidor
E acostuma-se a usá-lo.



Ah, amigo...
Como eu queria que me visse agora.
Como eu queria que visse
Que cheguei onde, um dia,
Imaginei estarmos.

Nossas vitórias, veja só,
Não são mais nossas.

Não há glória alguma a ser dividida.

E sobre a saudade, como já disse,
Às vezes ainda bate,
Mas quando lembro de suas palavras,
A velha cicatriz, sempre recente,
Põe-se a latejar.

A carne, ainda viva,
Chora gotas de desgosto,
Num pranto lento e silencioso,
Em lágrimas de um sangue amargo.



Essa vitória, amigo, é para você,
Que há tempos deixou de merecer
Qualquer coisa maior ou além
De um lugar qualquer no passado.

quinta-feira, 12 de setembro de 2013

Anacrônico


Nasci velho.

Nasci para ser velho.



Quando criança,
Ao ouvir o que o vento dizia,
Tive certeza disso.

A pressa da juventude,
Como os velhos tão bem sabem,
Ensurdece os desatentos
Para as coisas tênues da vida.



Os anos,
Ainda que não vividos,
Sempre estiveram aqui,
Presentes no corpo
E vivos na mente.

Pensamentos complexos.

Reflexões a frente do próprio tempo.



Sei que minha alma
Pertence ao entardecer da vida,
Mas isso, de maneira alguma,
Me entristece ou apavora,
Pois quem, de antemão,
Conhece o fim da jornada
Não passa pela vida com medo,
Fugindo da maior das incertezas.



Ainda que peque na aparência,
Nada supera a beleza
Que a experiência traz no rosto.

Ainda que peque pelo atraso,
Nada supera a importância
Do momento em que, enfim,
O tempo encontra seu lugar
Na paz de um coração aflito.

sábado, 7 de setembro de 2013

Dessas Coisas da Vida - III


     E ele, afinal, era honesto ou preconceituoso? Louvável ou desprezível?

     Não se permitia ser de ninguém, pois não queria ninguém tendo de suportar e conviver com seus defeitos. Defeitos, os quais, ele próprio não aceitava e nem suportava.

     Quando era questionado sobre isso, entretanto, dizia, sem disfarçar, a verdadeira razão para tanta reclusão. - Se fosse eu o normal, não iria querer alguém assim, como eu, com tantas imperfeições.



     E ele, afinal, era honesto ou preconceituoso? Louvável ou desprezível?

terça-feira, 3 de setembro de 2013

Dessas Coisas da Vida - II


     Então, meu amigo, levante dessa cadeira e vá lá agora...

    Sim, eu sei que já são três e pouco da madrugada, mas, mesmo assim, vá lá... Acorde a sua mãe, o seu pai... Acorde quem você quiser, ou quem você tiver, mas acorde!

    Essa história de que amanhã ou depois eles podem morrer é conversa fiada, e sabe por quê? Porque amanhã ou depois, não é que eles poderão estar mortos: Eles estarão mortos.

    E sim, isso é uma certeza.



    Se você, no auge dos seus vinte e três anos, ainda não percebeu ou aceitou isso, agora é a hora.

    Então, apenas pra ter a certeza de que você entendeu, eu repito:

   Seus pais, seus irmãos, seus amigos e seus amores, ao contrário do que você pensa, não correm o risco de morrer. Eles, simplesmente, vão morrer, e você não pode fazer nada a respeito disso.

    Nada.



    Boa sorte, meu amigo.

    Ah, e antes que eu esqueça, bem vindo à vida.






    Acho que o erro de todo mundo é tratar a morte como uma possibilidade, e não como uma certeza, que é o que ela realmente é.



    Essas verdades óbvias que a gente teima em esquecer.

    Ou ignorar.

domingo, 1 de setembro de 2013

Dessas Coisas da Vida - I

- E aí, rapaz! Há quanto tempo! Como é que tá? Caramba, tu tá ficando careca, hein? Hahahahahaha!

E assim se seguia. Sempre que eles se encontravam, o amigo vinha com a mesma observação. Sim, ele estava ficando careca, e apesar de ainda não ser um idoso (aliás, estava longe disso), os anos avançavam inescrupulosamente sobre ele. Um pouco da maldita genética e muito, muito estresse. É claro que, para aquele que profere a ofensa, o que importa é encontrar um defeito alheio para sentir-se melhor com os próprios defeitos. Pouco importa os maus bocados pelos quais o outro passou.

- Hahahaha... Pois é... A idade chega pra todos, né?

- Depende, depende! Eu, por enquanto, estou tranquilo! - E o amigo passava a mão nos cabelos que, ao contrário dos seus, não caíram.

Ironicamente, o amigo era gordo. Gordo como um porco, na verdade! A barriga rotunda enojava ao menor olhar! E a cada vez que ambos se encontravam, ele parecia estar mais gordo! Ele, entretanto, preferia não comentar sobre isso. Nunca foi de reparar nos defeitos alheios. Aliás, reparar, ele até reparava, mas preferia não comentar. De qualquer maneira, ele estava gordo. E a cada novo encontro ele estava mais gordo.

Gordo como um porco.