sábado, 28 de fevereiro de 2015

Sangues

   Nunca quis admitir. Durante muito tempo, lutou e relutou contra o que se mostrou óbvio desde que havia entrado no mercado dos sentimentos. Enfim, acabou cansando, percebendo e aceitando: era daqueles que amavam com um punhal gigantesco nas mãos.

   Um punhal grande o suficiente para matar duas pessoas.

   Na verdade, grande o suficiente para matar duas pessoas ao mesmo tempo.


Três Atos

Depois de tantos passarem,
Quem estará com você
Quando tiver passado o tempo?

Que mão estará na sua
Quando chegar a hora
Que sempre acaba chegando?

Pode não ser quem prometeu.
Pode ser quem nunca jurou.

***

Há quem parta deixando um vazio.

Há quem deixe um vazio que não parte,
Mesmo depois de ter partido.

Mas se vazios são espaços em branco,
Há também quem os preencha,
Mesmo que tudo o que tempo permita
Seja pouco mais que um breve instante,
Que por mais breve que seja,
Traz saudades póstumas
Alheias a qualquer proporção.

***

No melhor de todos os livros,
Faltavam as últimas páginas,
E para histórias que não terminam,
Não há muito o que fazer
Além de abandonar a leitura.

Mas de qualquer maneira,
Os poucos trechos lidos
Também conseguem ensinar...

Recomeços não precisam de muito,
Pois assim como terminam,
Histórias também começam
Sendo escritas em uma única folha.

quarta-feira, 11 de fevereiro de 2015

Musgo

Nasceu de uma fábula estranha,
Sem animais ou lições de moral,
E mesmo assim se transformou
Em algo que não era humano.

Em seu coração de pedra parada,
Brotou o musgo da água tranquila,
Que sob a forma de lágrimas contidas,
Vertia como fonte por dentro do peito.

Em seu coração de pedra parada,
Brotou o musgo da mentira...



E ele chorou... Ah, como chorou...
Quando teve de ver partir
Quem nem ao menos havia chegado.

E seus olhos, desde então, ficaram secos.
Secos como o próprio sangue,
Que há muito não corria eu seu corpo.

Viu escapar de seus braços
O vermelho vivo que tanto queria,
Sem saber se era ceda, cetim ou a própria vida,
E foi embora com desculpas
De quem nada desejava.

Foi embora com a vergonha
E com todas as cicatrizes que carregava.



Ah, se ela soubesse...
Se ela soubesse da dor que ele levou,
Impedindo que ela sentisse.

Ah, se ela soubesse...
Da vergonha que ele a privou
E do peso que a livrou
Por comprar algo de olhos fechados.

Ele teria sido o poeta
De sua poesia bruta, sem rimas,
Mas preferiu ser o ponto oposto
De uma trajetória infinita.

Viveu de desdém e uvas verdes,
Nunca querendo o que mais queria.

E antes de enclausurar-se em si mesmo,
Olhou para o céu e disse ao vento,
Oferecendo o reles poema:

"A todos os que também viraram pedra
Por não poderem mais ser carne."



O que restou foi o sonho ingênuo
De um futuro que queria ser seu.

segunda-feira, 9 de fevereiro de 2015

De Seis em Seis Horas

 - O problema é o efeito colateral...

- Como assim?

- O efeito colateral de se conhecer pessoas especiais. Quando uma delas entra na sua vida e acaba indo embora, todas as outras pessoas, que já são comuns, passam a ser mais comuns ainda... Chega a ser irônico, mas se paga um preço muito alto por querer encontrar alguém que possa, de fato, acrescentar algo de verdade na sua vida. Alguém que não seja apenas mais um alguém.

- Mas você fala de grandes amores?

- Não necessariamente, embora seja muito difícil não se apaixonar por aqueles que são mais do que apenas aparência, mais do que apenas superfície... Como eu disse, é o preço que se paga...

- Entendo...