terça-feira, 11 de outubro de 2016

Quero

Não precisa querer...

Mas se quiser,
Modéstia à parte,
Será perfeito.

Se quiser, vou te querer
Com o cabelo desgrenhado,
Com a roupa folgada
De andar em casa
E com aquela cara de sono,
Sem maquiagem nenhuma,
Que só as manhãs são capazes de dar.

Não precisa querer...

Mas se quiser, prometo,
Que não será menos
Do tanto que quero.

Será mais do que tudo
Que tenho para dar.

Não precisa querer,
Mas se quiser, me deixe saber,
E prometo dar o que você nem sabe
Ser possível dar a alguém.

Não precisa querer...

Mas se quiser, eu quero,
Tanto quanto você queria
Que alguém pudesse te dar.

terça-feira, 13 de outubro de 2015

Tudo

Com você,
Gosto da tormenta
E da calmaria.

Da chuva de palavras,
Da qual não busco abrigo.

Gosto do riso, do sussurro,
Do seu sorriso no escuro,
Que mesmo não vendo, sinto.

Gosto do olhar silencioso,
Assim como do silêncio
Quase estrondoso
Do seu rosto sereno, tranquilo,
Dormindo em minhas mãos
Enquanto você dorme.

Gosto do seu cheiro
Mas amo seu vocabulário,
Tanto quanto as brincadeiras,
Que mesmo quando sobram,
Sempre encontram seu espaço.

***

Com você, sei do que gosto...

Gosto dos erros que viram acertos,
Os quais, de fato, sempre soubemos
Que nunca estiveram errados.

***

Com você, gosto de unir forças
Para quebrar os ponteiros
E tentar segurar o tempo
Em todos os relógios.

Gosto dos seus medos,
Pois têm a mesma cor dos meus,
E gosto, também, daquela simplicidade,
Que tanto já nos machucou
Quando esteve nas mãos erradas.

Com você, gosto de mim
E de tudo o que seremos
Se você ainda puder gostar
Daquilo tudo que, um dia,
Fizeram parecer
E te disseram ser errado.

terça-feira, 6 de outubro de 2015

Trêmula

Deixou que o vento soprasse
E tremulasse a chama da vela.

Deixou, propositalmente,
Aquela janela aberta.


Da cera, correram os pingos,
Manchando a mesa intocada,
E o pavio, cada vez mais curto,
Fez dançar em linha a fumaça.

A sala, cheirando à penumbra,
Abrigou os dois solitários.

E o silêncio, dobrando-se em si,
Abraçou as palavras perdidas,
As quais, já há algum tempo,
Não soavam mais tão belas.

domingo, 27 de setembro de 2015

...

  Dizia que estar com ela era estar em paz. Era experimentar um silêncio que as vozes em sua cabeça há tempos já não lhe permitiam.


  Ficar sozinho tornou-se insuportável, mas não pela solidão em si, pois, constantemente esmagado por seus pensamentos, jamais conseguia estar só.

  Ela era a calma. O instante quieto que precede o sorriso. O suspiro de alívio que precede o abraço. O fechar de olhos que precede o beijo.

  Ela era a neutralidade entre os polos. Era a cabana frágil e indestrutível que acolhe quem foge da tempestade. Era quem ele seria, se ele não fosse quem acabou sendo.

  Ela era, para ele, a cura de si mesmo.

Todos e Todas

Irão rir ou chorar comigo
Pelos amores não amados
Quando tudo vier à tona?

O que parecia engraçado,
Jamais foi piada alguma.

O que pareceu não fazer sentido,
Foi sempre o mais desejado.

Irão rir ou chorar comigo
Por tudo aquilo não vivido
Quando o fim vier à tona?

Talvez, enfim, você perceba
Que se não andei ao seu lado,
Foi para não te abandonar
Quando não houvesse mais caminho.

Talvez, enfim, você perceba
Que meu descaso, quem diria,
Foi sempre o mais puro e sincero
Amor de quem não pôde ser amado.

Lamúrias

Que vivam de amor e firulas
Os que disso puderem viver.

Mas se verde-escura for minha chama,
De raiva amarga e ressentida,
Que assim seja
E muito será bem vinda.

Há quem pregue a falsa modéstia
Ao dizer que a beleza é supérflua,
Tendo sido sempre belo.

Há quem despeje a falsa humildade
Ao dizer que dinheiro e felicidade
Não são faces da mesma moeda,
Sem jamais ter saído do próprio castelo.

Aos que cantam lamúrias inexistentes
E gemem dores que nunca sentiram,
Deixo meu riso de escárnio.

Pois enquanto sorriem mentiras
A todos e a si mesmos,
Ao menos meu rancor é sincero.

...

 Parecia estar sempre com a mesma roupa. Tinha poucas, na verdade, o que servia apenas para reforçar essa impressão. Quando não estava na praça da cidade, dividindo com os pombos o pouco pão que tinha, estava em algum bar, bebendo os poucos trocados que conseguia ganhar. E pelo pouco que ganhava, diga-se de passagem, bebia muito.

 Não era um mendigo, mas também não chegava a ser nada que dissesse o contrário. De fato, ninguém sabia o que ele era.

 Não era indigente, pois morava em uma casinha de madeira caindo aos pedaços, no final da rua 14. Ninguém nunca o via entrar ou sair dela, mas sabiam que pertencia a ele, pois, às vezes, o viam dormindo em frente a ela, caído ao pé da porta, com um ou dois cachorros por perto e algumas garrafas vazias.

 Uns riam, outros sentiam pena. Uns tinham medo, outros o cumprimentavam. E ainda que dividisse opiniões, em uma coisa todos concordavam: era inofensivo.


 Ganhava a vida limpando pátios, recolhendo lixo, carregando compras do supermercado. Ninguém sabia quantos anos tinha, mas era comum vê-lo jogando bola com os garotos e, noutras vezes, lendo algum jornal velho, sentado em algum banco da alameda, de pernas cruzadas e fumando seu cachimbo apagado, como um nobre e respeitável senhor.

 Uns diziam que era assim desde sempre. Outros, que havia ficado louco depois de perder a família em um incêndio. (Dizem, inclusive, que é justamente por isso que não acende o cachimbo. Tinha tanto medo de fogo quanto um gato tem de água, embora ninguém realmente soubesse o verdadeiro motivo).

 Certa vez o viram tirando o próprio casaco e o dando para um mendigo (um de verdade, pois ele não era). Foi o suficiente para despertar aqueles comentários cheios de comiseração.

 - Pobre coitado... Ajuda todo mundo e só faz mal a ele mesmo...

 E nessas de ajudar os outros, também tinha dessas de querer ser ombro amigo. Às vezes se parava a escutar os lamentos de quem quisesse lamentar. Crianças, velhos, passarinhos, cachorros. Até as lixeiras desabafavam com ele de vez em quando. E claro, isso era o suficiente para despertar mais daqueles comentários cheios de comiseração.

 - Pobre coitado... Dá aos outros o que não tem nem pra si...

 E nessas de dar aos outros o que não tinha, também tinha daquelas de dar mais do que roupas, moedas e conselhos.

 Costumava distribuir os sorrisos que já não sorria, os abraços que não recebia e os apertos de mão que não lhe eram negados.

 Dava aos outros, sem pedir nada em troca, a vida que não vivia.