segunda-feira, 18 de maio de 2015

Oração

Na oração para o dia que nasce,
Pedimos para não sermos apunhalados
Por quem deveria estar conosco.

Pedimos que as más línguas,
Chicoteando falsas verdades,
Não estejam na boca daqueles
Que nos juraram lealdade.

O deus de cada um
Sabe dos filhos que tem.

Dos pregos em nossas cruzes,
Muitos nos foram cravados
Sem que ao menos percebêssemos.

Na oração para o dia que nasce,
Pedimos que a vida nos mostre
Quem não merece nossas preces.

O deus de cada um
Sabe dos filhos que tem.

segunda-feira, 11 de maio de 2015

Fronteiras

Não se trata de amizade,
Mas de tudo que acaba sendo
O que não deveria ser.

Somos países pacíficos,
Imersos em guerras internas.

Somos limites intransponíveis,
Com guaritas em nossas divisas.

Desculpe-me pelo zelo,
Mas fronteiras são linhas finas,
Desenhadas propositalmente
Com a ilusão de serem transpostas.

Talvez você não entenda
Que essa barreira é o que impede
O fim da nossa diplomacia.

Contra você, não pego em armas,
Pois prefiro ceder territórios
A ter de sujar nossas terras
Com um sangue que não é nosso.

Não cabe a mim cobiçar
Aquilo que não me pertence.

***

Limites, divisas, barreiras...
Cercas, muros e fronteiras...

A distância segura que preciso manter
Para, mesmo querendo, não querer ser
Mais do que nós realmente somos.

domingo, 10 de maio de 2015

Sorrisos

Guardou os sorrisos que todos queriam,
Mas que poucos mereciam ver,
Pois do pouco que dele sabiam,
Esperavam o ver sempre sorrindo,
Tal como bobo alegre,
Tão bobo quanto todos eram.

Guardou os sorrisos que não queria dar,
Por achar que não mereciam,
Pois do pouco que dele sabiam,
Não sabiam que, dele, nada teriam,
Além do que cada um merecia ter.
Além do pouco que mereciam
Pelo pouco que sempre fizeram
E do pouco que se dispuseram a fazer.

Guardou os sorrisos que não queria dar
A quem, de fato, não os merecia.

Guardou os sorrisos que não queria dar,
Pois só a ele e a alguns poucos,
De fato, pertenciam.

sábado, 9 de maio de 2015

Enigma

Entendi sua senha.
Aceitei a deixa.
Saí de cena.

Ainda não sei
Se é o seu medo
Ou a minha fantasia,
Mas sei que algo está errado,
Pois nada é como era antes.
Nossa vontade despretensiosa
Já não flui como fluía.

Você pediu que eu fosse embora,
E assim o fiz, mesmo sem querer.

Se soubesse que meu respeito
Viria a ser derrota,
Teria fingido inconsequência
E aceitado as consequências
Dos dias que estavam por vir.

Penso se, assim como eu,
Você também pensa a respeito
Do que não chegou a ser,
Mas que, como bem sabemos,
Poderia muito bem ter sido.
(E ainda pode ser...)

Ao lembrar por onde andamos,
Percebo que trilhei sozinho
Um caminho que pensei ser nosso.

Da cumplicidade,
Sobraram olhares esquivos,
Daqueles que, em silêncio,
Dizem tudo aquilo
Que não queríamos ouvir.

Chegamos longe o suficiente
Para voltarmos a tempo de não cometer
O maior dos nossos acertos.

Seu silêncio disse tudo,
Tal como o meu também dirá.

Não precisei da resposta certa
Para decifrar o seu enigma.

O segredo, no fim de tudo,
É deixar tudo como está
E tentar acreditar
Que deve ser assim.

segunda-feira, 4 de maio de 2015

Eutanásia

Não há razão alguma
Para prolongarmos a vida
Daquilo que, há tempos,
Sabemos que já não vive.

Não há desonra na morte,
E por mais doloroso que nos pareça,
Sabemos o que nossos corpos desejam
E do que nossas almas precisam.

Vamos desligar os aparelhos,
Tirar os tubos frios e ásperos
Que nos insuflam e alimentam
E dar uma chance ao conforto eterno
Que abraça os que chegam ao fim.

É bem verdade
Que nossas memórias e sentimentos
Irão se perder pelo tempo
E cairão no esquecimento
Com nossas novas histórias,
Mas de tudo o que dissemos
E deixamos por escrito,
Restará o que, em nós,
Não se apagará quando partirmos.

Nossas cartas e versos
São nosso melhor testamento,
Pois mesmo que não haja nada
Para depois do que há agora,
Sabemos que certas coisas
Continuarão a existir.

Inspiramos jovens amantes
A serem o que fomos
E não fazerem o que fizemos.

Nas esquinas onde estivemos,
Deixamos a essência
De um começo perfeito.

E com a última das horas,
Aprendemos a deixar
O que não pode mais ser nosso.

Veneno

A dedicação
Torna-se veneno
Quando, por muito menos
Que o tanto que foi dado,
Aquele que bebe, vira o copo
E derrama no chão,
Por dizer que está satisfeito
Daquilo que o alimentou
E o salvou da morte.

Retina

Começar o dia
Com olhos duros
E frios como pedra cinza.

Encarar de frente
O que tentou se esconder.

Guardar palavras
Soltas e desnecessárias
E ser apenas aquilo
Que você quer ser,
Sem agradar expectativas
E sem esperar agrado algum.

Começar o dia
Como quem começa algo
Sem dever nada a ninguém.