- Você sente ciúmes de mim?
Com a expressão tranquila,
quase sonolenta, que geralmente trazia no rosto, ele repousou o queixo na palma
da mão, pensou por um breve instante e, entredentes, respondeu. - Hã... não...
- Seus olhos fitavam-na de uma maneira docemente despreocupada.
- Não?
- Não, ué...
Estava longe de ser a resposta
que ela esperava ouvir. - Então você não gosta de mim?
- Não foi isso que você
perguntou.
- Mas foi o que você
respondeu, só que com outras palavras.
- Como eu posso ter respondido
o que você não perguntou e, ainda por cima, com outras palavras? - Ele sorriu
ironicamente, mas sem descaso. Uma tentativa de não se aborrecer com aquele
joguinho que tanto detestava.
- Não desconverse, por favor!
Ele suspirou, fechou os olhos
e balançou a cabeça. Aborrecera-se, enfim.
Ela insistiu. - E se eu
ficasse com outra pessoa?
Uma pergunta daquelas, para
alguém que já está irritado, é como um tiro de suicídio. Sua resposta
limitou-se a um movimento com os ombros e um leve, porém expressivo pender de
cabeça.
- Pra mim, chega! - Ela se
levantou energicamente, tirou o anel de compromisso e o jogou na direção dele.
Saiu resmungando ofensas e mágoas incompreensíveis, chutando calçados e livros
pelo caminho. Por fim, ele ouviu o estampido seco da porta sendo violentamente
fechada.
Estava cansada de tanta
indiferença. Há tempos já não aguentava mais aquela passividade, aquele
estranho conforto. A tranquilidade que existia entre ambos, ironicamente, a
incomodava, e a segurança, não muito diferente do resto dos bons sentimentos, a
sufocava gentilmente. Precisava de aventuras, de brigas, de gritos. Precisava,
enfim, do famigerado tempero. Precisava de amor.
Mais do que tudo, precisava de
provas de amor, fossem elas o que fossem.
Ela disse que não voltaria, e
realmente não voltou.
No fim, tudo é mais ou
menos como aquela velha história do copo pela metade.
Afinal, ele está meio cheio
ou meio vazio? O pessimista amaldiçoa a própria sorte por ter um copo quase
vazio, enquanto o otimista alegra-se por ter um copo quase cheio. O realista,
entretanto, sabe que o copo não está nem meio cheio, nem meio vazio. O realista,
aliás, sequer importa-se com isso. Ele, simplesmente, sabe que ali há água, e
que isso é o que importa.
Faltou o ciúme, sim, mas
não faltou o amor, como ela preferiu pensar ao partir.
Na verdade, a falta não foi
o problema. O erro escondeu-se, justamente, naquilo que sempre sobrou entre os
dois: Confiança.
E entre faltas e sobras,
acabou por ser ignorado aquilo que, simplesmente, existia.