domingo, 27 de setembro de 2015

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 Parecia estar sempre com a mesma roupa. Tinha poucas, na verdade, o que servia apenas para reforçar essa impressão. Quando não estava na praça da cidade, dividindo com os pombos o pouco pão que tinha, estava em algum bar, bebendo os poucos trocados que conseguia ganhar. E pelo pouco que ganhava, diga-se de passagem, bebia muito.

 Não era um mendigo, mas também não chegava a ser nada que dissesse o contrário. De fato, ninguém sabia o que ele era.

 Não era indigente, pois morava em uma casinha de madeira caindo aos pedaços, no final da rua 14. Ninguém nunca o via entrar ou sair dela, mas sabiam que pertencia a ele, pois, às vezes, o viam dormindo em frente a ela, caído ao pé da porta, com um ou dois cachorros por perto e algumas garrafas vazias.

 Uns riam, outros sentiam pena. Uns tinham medo, outros o cumprimentavam. E ainda que dividisse opiniões, em uma coisa todos concordavam: era inofensivo.


 Ganhava a vida limpando pátios, recolhendo lixo, carregando compras do supermercado. Ninguém sabia quantos anos tinha, mas era comum vê-lo jogando bola com os garotos e, noutras vezes, lendo algum jornal velho, sentado em algum banco da alameda, de pernas cruzadas e fumando seu cachimbo apagado, como um nobre e respeitável senhor.

 Uns diziam que era assim desde sempre. Outros, que havia ficado louco depois de perder a família em um incêndio. (Dizem, inclusive, que é justamente por isso que não acende o cachimbo. Tinha tanto medo de fogo quanto um gato tem de água, embora ninguém realmente soubesse o verdadeiro motivo).

 Certa vez o viram tirando o próprio casaco e o dando para um mendigo (um de verdade, pois ele não era). Foi o suficiente para despertar aqueles comentários cheios de comiseração.

 - Pobre coitado... Ajuda todo mundo e só faz mal a ele mesmo...

 E nessas de ajudar os outros, também tinha dessas de querer ser ombro amigo. Às vezes se parava a escutar os lamentos de quem quisesse lamentar. Crianças, velhos, passarinhos, cachorros. Até as lixeiras desabafavam com ele de vez em quando. E claro, isso era o suficiente para despertar mais daqueles comentários cheios de comiseração.

 - Pobre coitado... Dá aos outros o que não tem nem pra si...

 E nessas de dar aos outros o que não tinha, também tinha daquelas de dar mais do que roupas, moedas e conselhos.

 Costumava distribuir os sorrisos que já não sorria, os abraços que não recebia e os apertos de mão que não lhe eram negados.

 Dava aos outros, sem pedir nada em troca, a vida que não vivia.

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