sexta-feira, 26 de abril de 2013

Pouco


- Você sente ciúmes de mim?

Com a expressão tranquila, quase sonolenta, que geralmente trazia no rosto, ele repousou o queixo na palma da mão, pensou por um breve instante e, entredentes, respondeu. - Hã... não... - Seus olhos fitavam-na de uma maneira docemente despreocupada.

- Não?

- Não, ué...

Estava longe de ser a resposta que ela esperava ouvir. - Então você não gosta de mim?

- Não foi isso que você perguntou.

-  Mas foi o que você respondeu, só que com outras palavras.

- Como eu posso ter respondido o que você não perguntou e, ainda por cima, com outras palavras? - Ele sorriu ironicamente, mas sem descaso. Uma tentativa de não se aborrecer com aquele joguinho que tanto detestava.

- Não desconverse, por favor!

Ele suspirou, fechou os olhos e balançou a cabeça. Aborrecera-se, enfim.

Ela insistiu. - E se eu ficasse com outra pessoa?

Uma pergunta daquelas, para alguém que já está irritado, é como um tiro de suicídio. Sua resposta limitou-se a um movimento com os ombros e um leve, porém expressivo pender de cabeça.

- Pra mim, chega! - Ela se levantou energicamente, tirou o anel de compromisso e o jogou na direção dele. Saiu resmungando ofensas e mágoas incompreensíveis, chutando calçados e livros pelo caminho. Por fim, ele ouviu o estampido seco da porta sendo violentamente fechada.

Estava cansada de tanta indiferença. Há tempos já não aguentava mais aquela passividade, aquele estranho conforto. A tranquilidade que existia entre ambos, ironicamente, a incomodava, e a segurança, não muito diferente do resto dos bons sentimentos, a sufocava gentilmente. Precisava de aventuras, de brigas, de gritos. Precisava, enfim, do famigerado tempero. Precisava de amor.

Mais do que tudo, precisava de provas de amor, fossem elas o que fossem.

Ela disse que não voltaria, e realmente não voltou.





No fim, tudo é mais ou menos como aquela velha história do copo pela metade.

Afinal, ele está meio cheio ou meio vazio? O pessimista amaldiçoa a própria sorte por ter um copo quase vazio, enquanto o otimista alegra-se por ter um copo quase cheio. O realista, entretanto, sabe que o copo não está nem meio cheio, nem meio vazio. O realista, aliás, sequer importa-se com isso. Ele, simplesmente, sabe que ali há água, e que isso é o que importa.

Faltou o ciúme, sim, mas não faltou o amor, como ela preferiu pensar ao partir.

Na verdade, a falta não foi o problema. O erro escondeu-se, justamente, naquilo que sempre sobrou entre os dois: Confiança.

E entre faltas e sobras, acabou por ser ignorado aquilo que, simplesmente, existia.

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